Imperdível.
"Tenho um pedido a fazer aos membros deste Governo: não anunciem mais planos de redução da despesa.
Prometo esquecer-me da famosa proclamação do primeiro-ministro, aquela em que Passos Coelho dizia existirem dois caminhos para a solução do problema do défice: reduzir a despesa ou aumentar impostos, sendo a dos socialistas a segunda e a dele a primeira. Vou varrer da minha memória as afirmações grandiloquentes de actuais responsáveis governamentais, que juravam a pés juntos haver um plano detalhado para o corte nos gastos supérfluos do Estado.
Assobiarei para o lado quando me recordarem as palavras do primeiro-ministro no Pontal, quando assegurava que até dia 31 de Agosto o grande plano ia ser apresentado e até Outubro estaria executado. Fingirei que não percebo nada de aritmética quando me falarem de um terço para isto e dois terços para aquilo. Estou disposto a jurar que quando Passos Coelho disse que seria intransigente na questão das deduções dos gastos em educação, habitação e saúde em sede de IRS e jamais as aprovaria, foi mal interpretado e não era isso exactamente que queria dizer. Quando Paulo Portas aparecer na televisão, vou só concentrar-me nas suas tarefas de ministro de Negócios Estrangeiros e não matutarei no esbulho fiscal que estava em marcha há uns meses. Vou deitar fora o livrinho do Álvaro, o ministro, para não ler o que ele escrevia sobre aumentos de impostos e a facilidade com que se ia cortar na despesa. "Cortes históricos" e "maior redução da despesa dos últimos cinquenta anos" são frases que não utilizarei. Sempre que ouvir falar em gordura, direi que desta vez vou mesmo emagrecer.
Não voltarei a perguntar onde é que afinal está o desvio colossal (o tal que existe mas ninguém diz onde) e desprezarei essa inutilidade chamada boletim de execução orçamental, que teima em malevolamente mostrar que até Junho a despesa desceu e a partir dessa data desatou a subir.
Estou disposto a isto tudo mas, por favor, não anunciem que neste ou naquele dia vão apresentar medidas de corte na despesa. É que é certo e sabido que vem aí um anúncio de mais impostos, o fim de deduções fiscais ou uma subida de preços.
Se esta minha amnésia auto-infligida não for suficiente, posso mesmo controlar-me e não rir às gargalhadas quando o ministro das Finanças voltar a dizer que um aumento de impostos é um exercício de solidariedade, achar normal que o documento de estratégia orçamental não dedique uma palavrinha que seja sobre incentivos ao investimento das empresas - a não ser que se considere o aumento de impostos uma medida potenciadora de mais investimento - ou como diabo se vai pôr a economia a crescer.
Sou capaz de respirar fundo quando pela milionésima vez se ceder às chantagens e desmandos de Alberto João Jardim, achar que os onze grupos de trabalho criados em dez semanas de governação são mesmo necessários - sobretudo os três dedicados ao futebol - ou engolir em seco ao ouvir o ministro para tudo e mais alguma coisa, Miguel Relvas dizer que vai antecipar o pagamento das dívidas da RTP para a poder entregar de boa saúde, sem ónus ou encargos, às dezenas de empresas que, com certeza, acorrerão ao concurso de privatização.
Receio, porém, que estas minhas promessas todas não sejam suficientes. Dia 15 de Outubro vai ser apresentado o Orçamento do Estado para 2012, e nessa altura vamos saber dos cortes, ou seja, é muito provável que surjam mais impostos. Talvez um imposto sobre os gordos, pois de forma evidente não estão a praticar a austeridade. Outro sobre os que tomam banho todos os dias, essa gente que desperdiça água. Até tenho medo de dar ideias, mas estou convencido de que não faltará imaginação ao Governo. Ou então pode ser que nos digam que interpretamos mal as palavras gordura e consumos intermédios. Gordura era assim como dizer salários, consumos intermédios era outra maneira de se falar em pensões, e será aí que irão ser feitos os cortes. É que só faltava mesmo essa.